Numa época que deifica a juventude, a velhice e o processo de envelhecimento são necessariamente problemáticos.
Alfred Ziegler diz a esse respeito: “Quanto mais uma época enaltece a juventude, tanto mais o horror mortal da velhice se transforma numa epidemia. Dai se conclui que a epidemia de envelhecimento é a sombra legítima da nossa sociedade sedenta de juventude.
Na medicina, há séculos que não há unanimidade quanto a classificar a velhice juntamente com as realidades fisiológicas normais ou tratá-la como uma doença.
Georg Grodeck diz: “Os órgãos não estão desgastados com o surgimento da velhice, o que o órgão está é carregado de pensamentos: se alguém tem 70 anos de idade, os órgãos estão a ser carregados há 70 anos”. A torrente de comprimidos coloridos que serve de prevenção à cinzenta velhice hoje em dia mostra por outro lado que a medicina moderna concebe os sinais da velhice como sintomas de uma doença digna de ser combatida. A maioria das pessoas hoje em dia querem tornar-se o mais velhas possível, mas ninguém quer ser velho.
O Nosso dilema explicita-se nesse paradoxo. É justamente por ter a velhice em tão pouca conta, e em tão alta a juventude, que a sociedade envelhece visivelmente.
Nós tentamos o possível para permanecer jovens, e com isso tornamo-nos cada vez mais velhos.
Finalmente, com todo o culto à juventude, estamos orientados para a velhice, isto porque buscamos o progresso e este, por definição, está no futuro. As fontes da juventude de épocas anteriores podem-nos parecer ridículas, mas elas não estão muito distantes de nossas tentativas funcionais de enganar a velhice e banir a morte de nosso campo de visão. Toda uma indústria vive do comércio com o medo desses dois temas aterrorizantes.
Os comprimidos coloridos mencionados, que enchem os frascos para combater a senilidade e a rigidez da velhice ou que, de alguma maneira, deveriam remediar a má circulação sanguínea, são as mais rendosas fontes de lucro da indústria farmacêutica, embora na sua maioria não sirvam comprovadamente para nada.
Permitimos que aquilo que não conseguimos levantar em sentido figurado seja levantado concretamente por toda parte através de liftings do rosto, passando pelo pescoço e pelos seios, até a barriga e o traseiro.
Mais modernas, mas não menos características, são as tentativas de obter a imortalidade física com a ajuda de afirmações. As fontes da juventude de todas as épocas, observadas com mais precisão, parecem todas ingênuas. Estimuladas por esperanças ilusórias, elas conseguem muitos adeptos a curto prazo que se dececionaram em todas as épocas. Se os cirurgiões plásticos “tiram” rugas, pessoas ingênuas lambuzam a cara com cremes que controlam a idade, se cabelos grisalhos são tingidos e manchas da idade maquiadas, trata-se sempre do mesmo jogo ingênuo contra o tempo, que tem somente um vencedor, a morte, e seu arauto, a velhice.
Quanto mais a velhice vence, na vida individual e na da sociedade, tendemos a aferrar-nos ainda mais aos ideais juvenis. A propaganda, a moda, o cinema e a televisão apresentam o charme da tenra juventude e pessoas ativas na flor da juventude. Eles colocam a primeira metade da vida de tal maneira em primeiro plano que não sobra nada para a segunda, e quando somos sinceros, tão pouco queremos ver ou ouvir algo a respeito.
Preferimos entregar-nos à esperança equivocada de jamais voltarmos nós mesmos a ter contato com aquilo. Além disso, há tão pouca segurança no nosso primeiro suspiro como no último.
É necessária uma considerável arte da repressão para deixar de ver de maneira tão consequente esses fatos, bem como o ritmo natural da vida. Isso somente se torna possível através de um jogo de cabra-cega organizado coletivamente e que atinge todos os planos da sociedade. Estamos tão orgulhosos devido à maior expectativa de vida que convulsivamente deixamos de ver que dessa maneira o que aumentou foi sobretudo a expectativa da velhice.
Em nenhuma outra época houve uma cultura que ignorou com tanto êxito aquelas fases de desenvolvimento que iluminam os processos da vida e, com isso, também os da velhice, transformando assim as crises da maturidade em catástrofes.
Começa com o nascimento, do qual fazemos um drama médico único. Cada vez mais nascimentos são classificados como sendo de risco e solucionados por meio de cesarianas. Isso quer dizer uma única coisa: o começo da vida torna-se cada vez mais arriscado. Vamos ao encontro do inicio da vida cada vez mais problemático medicamente armados e, com isso, deixamos de ver que somos nós mesmos que tornamos tudo tão terrivelmente complicado e perigoso.
O grande passo seguinte rumo à maturidade vai no mesmo estilo. quando, com o surgimento da puberdade, surgem impulsos que anunciam o tornar-se adulto, a sociedade é unânime em achar que ainda não se chegou a tal ponto enquanto não chega o tal ponto. Sem os necessários rituais, estamos indefesos quanto às necessidades de crescimento naturalmente urgentes. Do lado dos adultos, tentamos ir ao encontro delas com programas de educação sempre novos e, do lado dos afetados, com rituais substitutivos tão perigosos quanto infrutíferos. Quando a puberdade sai do plano anímico, o tornar-se adulto vê-se ameaçado como um todo, e o necessário passo seguinte de cortar o cordão umbilical da casa paterna, torna-se ainda mais problemático.
Caracteristicamente, reservamos o conceito de pais-corvo aos pais desnaturados já que inteligentemente os corvos expulsam seus filhotes do ninho assim que estes estão maduros, para que levem sua própria vida. Provavelmente, precisaremos de muito tempo e muitos estudos científicos para conceber a sabedoria natural dos corvos. Não precisamos, portanto admirar-nos se na nossa sociedade as pessoas se tornam cada vez mais velhas e, com isso, cada vez menos adultas.
Uma horda de psicoterapeutas vive a brincar à puberdade com pessoas que, pelos anos que têm, já chegaram à crise da meia-idade. Cada fase de vida não dominada fornece a base para o fracasso da seguinte. E toda elaboração posterior é tanto mais difícil, porque o campo favorável ao desenvolvimento consiste sempre da época naturalmente prevista para isso.
Após um nascimento excessivamente complicado e uma puberdade não dominada, a crise da meia-idade muitas vezes também naufragará. Como esse ponto decisivo no padrão da vida de cada pessoa, está além disso carregado com o terrível tema da velhice, ele frequentemente fracassa até mesmo quando se passou pelas crises anteriores.
Na puberdade termina então a criança, que deixa de ser neutra e passa a ser “a mulher” ou “o homem”. Nas culturas arcaicas, a criança precisava morrer ritualmente para que o adulto pudesse nascer. Ela “morria” com medo e sob torturas num ritual de puberdade muitas vezes sangrento e seus pais, como correspondia, ficavam de luto. O adulto somente podia nascer a partir da morte definitiva da criança. A partir daí havia mais um adulto no clã, que tinha deixado tudo o que era infantil para trás, noutro mundo.
A meia idade na mulher, não era difícil perceber a menopausa através do marcante fim da menstruação e a nítida transformação hormonal, mas com o tempo não se pode deixar de perceber
a crise da meia-idade no homem também, Para os povos arcaicos, a época do meio da vida é frequentemente considerada o ponto culminante, que ainda ressoa no nosso conceito de clímax [Klimakterium – menopausa]. A expansão física e, com ela, a da força e da energia externas, termina em favor da expansão interna. A mudança do desenvolvimento externo para o interno é dada de antemão pelo padrão, anuncia-se o retorno da alma ao lar. Após uma metade de vida cheia de envolvimentos, segue-se uma de desenvolvimento. Os povos que conservaram suas raízes espirituais vivem essa oportunidade conscientemente.
Aquilo que nós consideramos como sendo sinal da velhice e da diminuição das forças é bem-vindo para os povos arcaicos, já que eles veem o objetivo da volta ao lar, o retorno à unidade, com outros olhos. Onde a morte, como fim do mundo, nos ameaça, é para eles uma passagem natural para uma outra forma de existência. Consequentemente, essa última crise da vida tampouco representa um problema para eles. Eles saúdam a morte quando ela entra, às vezes até mesmo a esperam e, de qualquer maneira, não veem nenhuma razão para fugir dela. Nós, ao contrário, estamos coletivamente em fuga. Até mesmo quando a morte surpreende alguém próximo, tentamos ainda assim ignorá-la ou retocá-la para não vê-la. Em comparação com tais tentativas de tapar a realidade, é de uma dignidade comovedora quando os índios ou os esquimós se preparam para esse último encontro. Eles não são lançados à água, nem se permite que morram impiedosamente de fome, tal como gostamos de mal entender. Um velho índio, quando sente que a sua hora está a chegar, retira-se tão tranquilamente como uma jovem índia que sente que a hora do parto se aproxima. Não há nenhuma razão para que o clã “fique louco” porque perderá ou ganhará um membro neste plano. Isso faz parte da natureza e é aceito como algo evidente. Somos nós que removemos os moribundos para clínicas, e especialmente os moribundos velhos, e lá então, novamente, para cantos escuros, banheiros ou algum outro lugar onde não precisemos encarar o “atroz acontecimento”. Nós projetamos esse comportamento indigno nos chamados primitivos, que são muito superiores a nós no que a isso se refere.
Onde já não temos a menor chance de driblar a morte, blefamos nos primeiros estágios à base de força física. Tentamos ignorar a crise da meia idade para então ser novamente lembrados que isso não pode continuar assim, que a primeira metade já passou. Com tais conhecimentos, qualquer um deveria na verdade concluir que a vida volta-se e dirige-se para a morte, que perdemos definitivamente a nossa juventude e que em lugar dela, a velhice está a bater à porta. Uma série de problemas médicos relevantes surgem a partir da resistência a esta seção da vida. Experimentamos de maneira tanto mais crassa no corpo o que não queremos perceber na consciência.
David R. Hawkins
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