Muitas pessoas confundem «espiritual» com «religioso», e até com os domínios sobrenaturais ou «astrais». Mas, na realidade, trata-se de coisas bem diferentes, e esta confusão geralmente resulta em conflitos sociais e incertezas.
Na Constituição dos Estados Unidos da América (EUA), por exemplo, foi especificado com grande clareza que os direitos do Homem provêm da divindade da sua criação, estabelecendo, assim, o princípio da espiritualidade. Todavia, os autores demarcaram-se da religião ao afirmar que os cidadãos são livres para seguir qualquer religião.
Os fundadores dos EUA sabiam que a religião se divide e se baseia no poder secular, enquanto a espiritualidade une e não tem uma organização terrena.
A Declaração de Independência diz que esta é uma nação cujo governo deriva da sua autoridade dos princípios espirituais do Criador, e que deve ser guiada por princípios espirituais que vejam todos os seres humanos igualitariamente, com justiça e liberdade para todos. Esta determinação óbvia tem grande poder e dispensa defesa.

A religião, por outro lado, pode ser sectária e dividir as pessoas em grupos contrários, muitas vezes com graves consequências para a civilização e para a própria vida, como podemos ver na História.
Os grupos verdadeiramente espirituais baseiam o seu poder unicamente na veracidade dos seus ensinamentos e não têm nenhum poder terreno significativo, nem edifícios, riquezas, nem líderes reinantes. Geralmente, na espiritualidade, as ideias centrais que mantêm o grupo unido são o amor, o perdão, a paz, a gratidão, a bondade, o não materialismo e a ausência de juízos de valor.
Normalmente, a religião, na sua essência, tem como origem um núcleo de espiritualidade que, no entanto, acaba por se afundar e se perder de vista. Se assim não fosse, a guerra, por exemplo, teria poucas hipóteses de acontecer. Como tal, a verdade espiritual é universalmente verdadeira e não sofre variações no tempo e no espaço. Traz sempre paz, harmonia, concordância, amor, compaixão e misericórdia. A verdade pode ser identificada por estas qualidades. Tudo o resto são invenções do ego.

A RELIGIÃO COMO FONTE DE ERROS ESPIRITUAIS
São duas as fontes de erro nas religiões tradicionais «verdadeiras».

A primeira é simplesmente o mal-entendido ou a interpretação errónea dos ensinamentos específicos do grande mestre original. Uma vez que aqueles que o ouviam ou o seguiam não eram eles próprios iluminados, contaminaram com os seus egos os ensinamentos originais; mais tarde, os tradutores e os escribas amplificaram ainda mais os erros ao longo de gerações.
A deformação deve-se geralmente ao facto de o ego tender a ser literal na sua interpretação da palavra, em lugar de se ater ao espírito ou essência de um ensinamento. Qualquer tradução que ensine algo que não seja paz ou amor está errada. Trata-se de uma regra básica e fácil de detetar.

A segunda das fontes de distorção predominantes é a dos ensinamentos espirituais resultantes daquilo a que normalmente se chama «doutrina da Igreja». Estes regulamentos, muitas vezes sob a forma de proibições culpabilizantes, foram, na realidade, completamente inventados por representantes da Igreja ou alegadas autoridades que, de facto, não tinham nenhuma autoridade, mas sim poder político na estrutura das instituições da altura. Não existe um motivo autêntico ou plausível para modificar os ensinamentos concretos de um grande mestre original. Por mais óbvio que possa parecer, ao longo dos séculos não tem sido claro que ser cristão, por exemplo, significa simplesmente seguir exatamente os ensinamentos de Cristo.

Todos os grandes mestres ensinam a não violência, a não condenação e o amor incondicional, e torna-se muito difícil ver como qualquer suposta autoridade eclesiástica poderia violar estes princípios básicos alegadamente para «o bem da fé» ou «o bem da Igreja», para «eliminar infidelidades» ou «apenas» por causa de guerras.
Existem muitos temas que não são abordados nos ensinamentos espirituais originais, criando, assim, uma boa oportunidade para a aparição de elaborações religiosas falaciosas.
Ao longo dos séculos, foram inventados todos os géneros de «pecados», com explicações e racionalizações elaboradas que só podem ser descritas em termos clínicos como manipulações doentias de questões humanas naturais. O dano resultante não foi só o erro espiritual, foi também a crueldade psicológica e um sentimento de culpa generalizado da Humanidade. Este enfoque na culpa e no pecado levou a uma condenação da consciência humana, reforçando o dilema dos opostos e da dualidade da perceção.

O efeito destrutivo subsequente na consciência do Homem afasta-o ainda mais de Deus e cria uma barreira que apenas pode ser ultrapassada pelos poucos que quase têm de ser génios espirituais para conseguir escapar a uma armadilha coerciva de elaboradas falácias.
Um efeito destrutivo adicional da promulgação de algumas doutrinas religiosas é que as mesmas lançam as bases para terríveis guerras e perseguições. Baseiam-se sempre em diferenças religiosas de importância exagerada para justificar o caos religiosamente sancionado. Estes mal-entendidos e desvios são particularmente visíveis nas obscuras intervenções religiosas a respeito da sexualidade, procriação, educação infantil, dieta, pormenores da vida quotidiana, vestuário, costumes e poder político.
Ao explorar trivialidades à custa da ignorância da essência da verdade espiritual, as religiões contribuem para a sua própria queda e, com ela, a de toda a Humanidade. Muito do que é reverenciado como doutrina da Igreja é realmente um produto do ego. Se, como Jesus disse, é verdade que o mal está nos olhos de quem vê, aqueles que veem o pecado e o mal em todos os lugares são eles próprios o problema.

Na era vitoriana, até as pernas das mesas eram consideradas uma tentação pecaminosa e, como tal, tinham de ser discretamente cobertas com uma toalha.
Paradoxalmente, todas estas distorções da verdade espiritual acabaram por condenar Deus e a natureza humana em nome da «Divindade». Usurpar essa autoridade e fazer declarações em nome de Deus parece bastante extravagante e mesmo delirante. Ninguém que tivesse alguma vez experienciado a realidade absoluta da presença de Deus poderia proferir tais afirmações distorcidas.

David R. Hawkins

“Eu estou cada vez mais convencido que chegou o momento de encontrarmos uma maneira de pensarmos a espiritualidade e ética acima da religião” – Dalai Lama

“É mais fácil para o ser humano acreditar num Deus do que encontrar o Deus em de si”

Carlos Dionísio

16-07-2021