O ciúme na era digital: a epidemia


Atualmente, o ciúme está em decadência? Não! Está em plena ascensão! Mas não estamos na democracia, na era da liberdade? Sim. Estamos na era da liberdade exterior, mas nunca produzimos tantos escravos no território das emoções.

Hoje vivemos a era das redes sociais, em que as relações parecem fáceis, mas, na verdade, são frágeis. O fantasma do ciúme ganhou musculatura na modernidade, e os jovens que deveriam ser livres, são controlados pela necessidade neurótica de controlar o seu parceiro.

Antigamente, um namorado entrava em contato com a namorada uma vez por semana, em média, a não ser que morassem próximos. Até à segunda metade do século XX, a comunicação era difícil, feita por carta ou por meio de transporte por tração animal, como a carruagem. Os infrequentes encontros faziam com que o fenômeno da psicoadaptação, que é um dos mais incríveis fenômenos inconscientes da mente humana, expresso pela perda do prazer frente à exposição constante ao mesmo estímulo, fosse preservado. Como raramente o casal se via, a saudade era grande, a necessidade de estar junto era bombástica, os encontros eram mágicos. Cada toque, cada carícia, cada jura de amor dita ao pé do ouvido dos amantes produziam experiências emocionais fortíssimas.

Com o passar do tempo, a comunicabilidade foi se aperfeiçoando. O contato passou a poder ser feito uma, duas ou mais vezes por semana. Todavia, a exposição maior à presença do parceiro fez com que o fenômeno da psicoadaptação diminuísse os níveis de intensidade emocional dos encontros. Os níveis de amor sofreram leves quedas, os encontros passaram a ser menos intensos. A saudade já não era tão perturbadora.

E por fim veio a revolução da internet, os e-mails e as redes sociais. A comunicação não apenas se tornou diária como passou a acontecer de hora em hora e, em alguns casos, de minuto em minuto. A consequência não podia ser mais grave. A frequente exposição ao mesmo estímulo, no caso, a presença do outro, ainda que virtual, esmagou o fenômeno da psicoadaptação. Perdeu-se a intensidade do prazer. Não há mais prelúdios, tudo ficou comum.

As redes sociais são úteis, mas sufocaram a explosão emocional dos amantes e geraram efeitos colaterais surpreendentes, entre eles o vampiro do ciúme, que ganhou novas presas, sangrando os amantes que controlam os passos um do outro: “Onde estás?”, “O que estás a fazer?”. Ataques de frustração surgiram: “Porque não colocaste Gosto nas minhas mensagens?”. Com isso, o fantasma do ciúme, que muitos achavam que desapareceria na era da comunicação digital, na era da democracia, voltou com força total. Tente controlar quem você ama, e os dois vão adoecer. O amor nasce e desenvolve-se no terreno da liberdade.

O relacionamento superficial no Facebook, no Instagram e noutras redes sociais não prepara as defesas emocionais para o relacionamento mais profundo, alimentando a cumplicidade e a troca.

Quando duas pessoas acostumadas a esse tipo de relacionamento superficial começam a relacionar-se com maior densidade, elas têm mais chances de perder o solo para caminhar, pois são menos capazes de compartilhar lágrimas e conflitos, de respeitar limites, de promover os sonhos e a liberdade do seu parceiro. Fragilizadas com essa nova experiência, vivem sob ataques do medo da perda, que afiam as garras do ciúme. Nenhuma pessoa ciumenta é livre. Ela pode ser maravilhosa, culta, inteligente, mas não é livre. O Homo sapiens tornou-se um Homo digitalis emocionalmente frágil e dependente, cuja autonomia afetiva é sequestrada. Ele parece livre, mas não sabe que o amor nasce no terreno da confiabilidade, que controlar o outro é uma forma atroz de torná-lo sua posse, e não seu parceiro. Nunca nas sociedades livres houve tantos prisioneiros no único lugar onde jamais deveríamos ser algemados. O ciúme é um espécie de algemas invisíveis

Educar a emoção é vital para prevenir o ciúme. Uma educação que forme mentes preparadas para amar


Em todas as épocas, as sociedades tiveram os seus avanços culturais, políticos e tecnológicos, mas em todas faltaram generosas doses de educação das emoções. A educação mundial é superficial, cartesiana, lógico-linear, mesmo considerando as mais notáveis universidades. Ela remete-nos para fora, mas não nos faz mergulhar nas entranhas do funcionamento da mente. O Eu, que representa a capacidade de escolha, não aprende a impugnar, a confrontar ou debater os pensamentos perturbadores e as emoções angustiantes no exato momento em que são construídos nos bastidores de nossa mente.

É muito fácil acumular lixo no nosso córtex cerebral. Quem tem um Eu que se comporta como um espectador passivo do filme de sua mente comete um crime contra sua saúde emocional.
Sem formar o Eu para ser líder de si mesmo, o ser humano não se prepara para navegar nas águas da gestão das emoções, desenvolver as habilidades socio-emocionais e sobreviver às armadilhas da mente.

Nenhum romance se inicia se os parceiros não forem minimamente agradáveis um para o outro, mas o amor inteligente precisa de mais agradabilidade, de mais admiração. Sem admiração, o amor não é sustentável. Uma pessoa agradável pode ter dificuldade de reconhecer seus erros quando questionada, mas uma pessoa admirável supera a necessidade neurótica de estar sempre certa. Pessoas agradáveis vivem o amor enquanto ele dura, ao passo que pessoas admiráveis colocam combustível nas delicadas chamas do amor.

Uma pessoa agradável pode reagir pelo fenômeno ação-reação, ter baixo limiar para tolerar frustrações, enquanto uma pessoa admirável é paciente, doa-se mais e diminui a expectativa de retorno, tem paixão pela tolerância. Admiração adquire-se quando se dá um ombro para chorar e o outro para apoiar.

Uma pessoa ciumenta pode ser agradável, mas raramente será admirável, pois não desenvolveu habilidades para ser gestora das próprias emoções. Parceiros agradáveis podem dar-se muito bem na cama, mas ter uma convivência difícil, sem conseguir respeitar a opinião do outro, divergir de forma inteligente e contribuir mutuamente. Querem ganhar a disputa, e não conquistar um ao outro. Na ausência de focos de tensão, vivem no céu do afeto, mas quando são contrariados fecham o circuito da memória, não raciocinam, vivem num inferno
emocional.

Não há nenhuma garantia de que romances que começam bem vão terminar bem, que relações saturadas de beijos e carícias não vão terminar em guerras emocionais.

Sem admiração, com o tempo, os parceiros tornam-se chatos, críticos, pressionadores e acusadores. São incapazes de rir da própria estupidez, levam a vida a ferro e fogo, não brincam, não relaxam. Sem admiração, o romance é desinteligente, carregado de emoção, mas vazio de sabedoria.

Ciúme: uma palavra pequena, um vírus poderoso

Ciúme é uma palavra pequena, mas seu poder é viral. O seu significado psiquiátrico e psicológico é gigantesco, e suas consequências sociológicas podem ser letais. Claro, há um ciúme aceitável, suportável, inofensivo, mas nenhum ciúme é saudável, principalmente se implica controlar o outro. Querer a presença do outro é saudável, mas exigi-la é nocivo; procurar fazer coisas juntos tempera a relação, mas não aceitar ficar sem a presença do outro é doentio.

Amar a presença do parceiro é riquíssimo, mas reclamar atenção exclusiva é aprisionador. O ciúme aceitável não arde em cobranças, já o ciúme fatal asfixia quem ama, pune quem falha. O ciúme aceitável é tolerante, permite que ria dos seus exageros; o ciúme doentio leva a vida a ferro e fogo, é radical. O ciúme aceitável é brando como a névoa; o ciúme doentio é pesado como as tempestades. O ciúme aceitável não bloqueia os sonhos; o ciúme fatal tem medo de o outro crescer.

Diferentemente do ciúme, o amor saudável pede atenção, mas não controla; solicita carinho, mas não sufoca; dá mil abraços, mas não prende; torce para ser notado, mas isso no silêncio, sem cobrança.

Ninguém deve relacionar-se com outra pessoa para ser feliz, mas para ser mais feliz. Uma pessoa mal resolvida não resolverá sua infelicidade relacionando-se com outra pessoa. Tem de se resolver para ser completa e completar quem ama. Depositar a esperança de ser feliz exclusivamente no outro é acreditar num delírio.

Augusto Cury